Como voltamos a ser um par?

Vanessa Augusta
3 min readSep 18, 2021

houve um tempo que aceitávamos o mínimo. e passamos a lutar por um lugar de compreensão, cuidado, respeito, amor, admiração… coisas que esperamos de um companheiro. e que, idealmente, um companheiro espera de nós (falo só de heteronormatividade aqui). mas um homem espera muito mais da gente e que não diz respeito a isso. ele espera que sejamos menos sucedidas que ele, que estejamos a seu dispor, que sejamos menores na relação, que vistamos roupas que não provoquem, que aceitemos pequenos deslizes de conduta. (isso tá dentro do jogo heteronormativo mesmo que não se admita) e está MUITO!

então, o mínimo que seria o básico nem é mais o básico. daí, feministas (me incluo aqui) que já não estão dispostas a aguentar esse tipo de comportamento nocivo acabam ficando na maior parte das vezes sozinha. agora digo com mais força, talvez como manifesto, as mulheres feministas com consciência do seu valor estão cada vez mais sozinhas.

*porque mesmo o cara mais descontruído e aberto ao diálogo vai passar pelo lugar de causador de dor em algum momento*

está para além da complexidade das dores originárias de relacionamentos humanos, já que nos relacionar é passível de sofrimento em qualquer nível de interação. mas, existe um lugar na heteronormatividade, e aí vou chamar aqui de uma relação de poder, em que está prevista essa dor infligida pelo homem — mesmo que, óbvio, mulheres também a causem nas relações.

daí um grande problema, que é a questão aqui, talvez a minha questão atual (como indivíduo, mas também penso que socialmente): a solidão da mulher feminista — que não é a mesma da mulher negra.

o que a gente não conta nas redes sociais é que estamos sozinhas. sim, por escolha, mas nos sentimos sozinhas. então, tem um momento que a gente cede. pelo corpo, pelo desejo, por querer acreditar que daquela vez é diferente. e acabamos por aceitar o pouco.

mas não faz parte dessa luta nos reconhecer, entender nosso valor, não aceitar menos do que merecemos, identificar a nossa fortaleza, enaltecer as manas, repensar as relações, juntar os caquinhos pra sermos cada dia melhores? a-ham. mas depois de muito melhorar e melhorar cada vez mais, a gente se afasta mais ainda da possibilidade da troca heteronormativa já que, parece, o homem ficou estacionado no tempo.

então a gente cede.

é um ciclo.

NÃO VOU MAIS PASSAR POR ISSO > PREFIRO FICAR SOZINHA > EU ME BASTO > ME SINTO TÃO SOZINHA > ACEITO UMA MIGALHA.

mas para não dizer que saí em defesa apenas da solidão da mulher hétero, vou mencionar o caso da solidão do homem hétero, que descobri agorinha mesmo, em uma conversa com um amigo da classe.

os homens também estão sozinhos. porém, pelo completo oposto: sem reconhecer seus problemas, vazios, dificuldades. sem saber tatear por onde começar a se cuidar. por não dar o braço a torcer. por estarem estacionados. e pegar no tranco dessa desconstrução que propomos para reconstruir — algo que ainda nem sabemos o quê — no lugar disso é muito demorado.

ficamos aqui. para longe, muito mais longe do que o lugar das relações líquidas. aqui há uma não relação. at all. uma escolha de não relação. cada um no seu lugar, sozinho.

como voltamos a ser um par?

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